quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Chuva Molha Parvos

Chuva molha parvos. Estou molhado. Farda e bota e capacete e espingarda: tudo molhado. Chuva molha tudo. Os ossos molhados. Provavelmente já nem corre sangue. Tudo água. Um orvalho que se estende em todo o acampamento: grupo de gotículas suspensas que se denunciam com as lanternas. Perpétuo duche neste país. Dizem que nesta terra morre-se de sede, e eu sem perceber se estão a mangar comigo. Faço vigia e de quando em quando estatelo-me no chão: farda cor de lama. Pareço uma poia gigante.

Li algures sobre as monções. Chove ininterruptamente há semanas. Será isto a monção? Sei que adoeço, mas não sei do quê. São demasiadas noites em vigias chuvosas, e a roupa sem tempo para secar. Mandaram-nos para este país. Nada explicaram. 
- Guerra, nação, patriotas que morreram, orgulho...
Propaganda por todo o lado: televisão, rádio, cartazes, comícios, feiras, escolas, igrejas. Os pobres desconfiam. Nada nos explicam. A malta relutante. Temos de defender interesses de meia dúzia. Quem nos defende dos interesses dessa meia dúzia? A malta relutante não se convence. O pároco bateu-nos à porta:
- é preciso lutar contra a imoralidade estrangeira!
E a malta ainda assim não se comoveu. O latifundiário apareceu-nos à janela:
- é preciso defender o nosso direito à propriedade!
E a malta escarneceu. A polícia invadiu-nos o quarto, de arma apontada aos filhos, mulheres, pais:
- é preciso dizer mais alguma coisa?

Chuva molha parvos. Há dias que a louvo. Farda e bota e capacete e espingarda: tudo molhado. Os olhos molhados. É chuva e lágrima que se misturam. Na primeira semana neste país, plano de assalto a acampamento inimigo. Fomos alertados sobre a força hostil: violentos, armas de fogo com treino avançado, sem misercódia. Estávamos todos acagaçados. Íamos comprimidos nos camiões militares. Uns choravam. Outros choravam. Fulano, sicrano e beltrano. Todos choravam. Alguns rezavam. Estávamos fodidos. Quando já se distinguiam disparos, granadas, gritos, o nosso camião travou. Saltámos porta fora, cegos e desvairados. Já só disparávamos e disparávamos e disparávamos. 

A violência bruta prende a memória: todos nós amnésicos. Uma sensação que a força hostil organizada em crianças, mulheres e velhos, em pedras e em paus, em desespero, em joelhos que pedem clemência. Uma sensação de ver o tenente:
- depois de mortos enterrá-los
E uma sensação de cavar uma vala comum, entorpecido, incrédulo, caquéctico.

Chuva molha parvos. E eu sem saber se sou parvo. Faço destas vigias uma viagem a casa, sem saber como lá ficar, sem saber como fugir disto. E a farda e bota e capacete e espingarda: tudo molhado. Apetece proteger-me junto a um barracão. Apetece fumar um bocado. Não tarda muito, alguém vem render a vigia. E junto ao barracão, já não chove. Já me sinto menos parvo. A farda ainda cor de lama. Sou uma poia gigante.

Imagem retirada daqui

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Do Conformismo

As tunas costumam tocar estes versos?
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não. [1]
Quando observo uma praxe tenho a oportunidade de apreciar um dos mais ridículos exemplos de conformismo que a nossa espécie é capaz de criar. (Lá está o Absurdo!)

Somos primatas com uma forte necessidade de agradar os outros para sermos socialmente aceites, e torna-se por vezes muito difícil de assumirmos um comportamento divergente. Todos somos, em diferentes graus, conformistas. Todos.

Além disso, muitas vezes aceitamos o inaceitável como sendo natural. Diante os nossos olhos há imensas coisas a que deveríamos dizer-lhes Não, mas olhamos e não reparamos. E mesmo quando vemos o óbvio e sabemos que é preciso dizer Não, vem como que uma força vinda do além aquilo que ficou demonstrado na famosa Experiência de Asch:



Na minha faculdade ainda se fazem praxes!
No meu país ainda se tolera a «ajuda» da troika!

Adenda

O movimento revolucionário é talvez o maior exemplo de inconformismo que conheço. Contudo, sobretudo por ser ainda minoritário, os indivíduos integrados nesse movimento precisam muitas vezes de saber que não estão sozinhos, e que há mais pessoas que pensam como eles. Isso dá-lhes segurança. Não basta saber que se está certo, é preciso que haja quem o confirme e sigam juntos na razão. Por isso, não nos privemos de dizer o óbvio. [2]


[1] Trova do vento que Passa, cantado por Adriano Correia de Oliveira, letra de Manuel Alegre
[2] O Operário em Construção, de Vinícius de Moraes declamado por Mário Viegas,

domingo, 26 de janeiro de 2014

A Insolência da Ignorância [conto]


Meu caro amigo, eu pago-lhe um copo. Isso tenho a certeza. Aproxime-se.

Deixe que lhe conte sobre o Sr. Oliveira. Você precisa de saber sobre ele. Mas certeza não tenho. Nunca conheci homem tão carismático. Todos o ouviam com máxima atenção. Um grande intelectual e pedagogo. Isso tenho a certeza.

Sentei-me dois bancos à frente dele. Talvez três. Não queria ser incomodado nem pelos meus próprios pensamentos e contemplava o Tejo pela janela. Isso acalma-me, e daí, talvez não. Mas não queria ouvir nada nem ninguém além do trote nos carris. 

- A senhora sabe o que é aquilo ali no outro lado do rio?

Foi com essas palavras, meu caro amigo, que naquela viagem de comboio a minha atenção acabou centrada no Sr. Oliveira. Ele falava para uma senhora com pele seca e cor de cal apagada. Ele era um intelectual e queria a atenção de povo. Ele sabia. Inicialmente deixou-me profundamente irritado ser invadido pela sua forte projecção vocal. A carruagem era obrigada a ouvi-lo, e daí, pensando bem, meu caro amigo, talvez não estivesse irritado e até o ouvíamos com gosto. 

- Não sei, não.

Foi o que disse a mulher baixinho, ou talvez não tenha sido ela, mas um Não sei, não envergonhado eu ouvi, e vi-a rosando de ignorância erguendo de seguida, timidamente, um olhar curioso. Se não foi exactamente assim, foi quase. Meu caro amigo, logo que o Sr. Oliveira fez a pergunta, todos nós deixámos de saber a resposta. Não estranhe esta momentânea ignorância colectiva, sabíamos que estávamos na presença de uma sumidade e remetemo-nos à nossa manifesta menoridade.

O Sr. Oliveira falava para todos o ouvirem. E todos o ouviam. Calados.

- Era ali, do outro lado do rio, que prendiam e torturavam os comunistas. Esses malandros! A culpa disto é deles. É bom que todos saibam.

Admire-se, mas não se engasgue, quando agora lhe confesso que desconhecia este facto histórico revelado pelo Sr. Oliveira. É verdade, não sabia! E, perante a revelação, estando o Sr. Oliveira no púlpito da atenção dos utentes daquela carruagem, não há nada a duvidar. Aquele timbre reverberante com a voz dramaticamente bem colocada iluminava-nos com uma exortante convicção, embora eu lhe tenha constatado que um muito recente e pouco competente AVC que lhe apanhara o lado esquerdo das sibilação, não deixava dúvidas quanto à veracidade das palavras do Sr. Oliveira. Isso eu sei.

Deixe-me que lhe ofereça outro copo, meu caro amigo, acompanhe-me que há ali uma mesa livre e aproveitarei o conforto dos bancos para lhe contar como este acontecimento mudou a minha vida.

Estive anos ao engano. Iludido andei, confesso-lhe. Ouvíamos atenciosamente o Sr. Oliveira enquanto elucidava a rosada mulher. Subtilmente empurrei para avante o jornal que trazia comigo até o esconder no fundo da mochila que transportava. Acho que ninguém na carruagem se apercebeu. Era ingénuo e não sabia, mas graças às revelações vindas de tamanha personalidade, larguei certas más influências e abracei uma vida de dignidade e de bons costumes.

Hoje reconheço as minhas origens. Faço quase diariamente este trajecto de Lisboa a Cascais e a contemplação deste extraordinário rio e mar não fica concluído sem alguma vez me recordar do Sr. Oliveira, e, como ele, naquela tarde, me mudou com o seu saber. Todos os dias olho para a margem sul do rio e lembro as suas palavras exaltantes. Elas rasgavam a ignorância com saber! Meu caro, fique certo de que só um ser elevado como o Sr. Oliveira tal é possível. 

- É ali, do outro lado do rio, veja minha senhora, é ali, o Tarrafal.
 
Que sabedoria! Era maravilhoso. Emociono-me sempre ao falar deste homem.  Meu caro amigo, o Sr. Oliveira era um homem sábio e maravilhoso. Sim, ficámos grandes amigos. Ficava horas a ouvi-lo. Todos os meses, a partir daquele dia, num fim-de-semana pegava nas minhas crianças, apanhávamos o barco em Belém e atravessávamos o rio para comer um robalo ou uma dourada. Ao atracar o Sr. Oliveira enchia o peito de contentamento e dizia para todos o ouvirem: Chegámos ao Tarrafal. Fazia sempre isto. As minhas crianças riam muito. Sempre. Liam metros mais à frente numa placa T-R-A-F-A-R-I-A. Foi ali, meu caro amigo, que as minhas meninas aprenderam a soletrar.

(conto baseado em factos verídicos)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Stand By Me


"Let's just say that I stole the milk money, but old Lady Simons stole it back from me. Just suppose that I told this story. Me, Chris Chambers, kid brother to Eyeball Chambers. Do you think anyone would have believed it? (...) You think that bitch would have tried that if it had been one of those douche bags... from The View, if they had taken the money?"
É sempre um tremendo prazer rever este filme, que tanto marcou a minha adolescência. Esta cena, em particular, levou-me, ainda miúdo, a desenhar um paralelismo com a realidade que eu observava diariamente. Revoltava-me, constantemente, esta ideia que um determinado indivíduo fica irremediavelmente preso a uma determinada imagem, que na maioria das vezes não corresponde à realidade. Anos mais tarde, aprendi, e apreendi, que esse preconceito ultrapassa o indivíduo para se fixar nas colectividades que germinam da luta de classes. Aos doze ou treze anos de idade andava angustiado e nauseado com a dimensão violenta do preconceito, não por ter sido vítima dela, mas porque convivia diariamente com quem o era. 
Infelizmente, e porque um filme é um filme, a realidade é uma coisa muito diferente, e muito mais complexa. Estes miúdos, que vivem dentro de contextos muito pouco favoráveis, raramente conseguem expressar um desabafo, muito menos chorar de frustração no ombro de um amigo. E estes miúdos, que lutam diariamente com o mundo que lhes cerra os dentes e os punhos, não conseguem, normalmente, contrariar o futuro que lhes espera.
Quando afirmo que gosto de rever este filme, é porque este filme regurgita da memória a lembrança dos miúdos com quem convivi, e traz-me a recordação de uma maioria que não teve direito de crescer como conjunto de indivíduos completos, não só porque os pais foram incapazes, mas sobretudo porque as escolas não quiseram saber, atirando-os para um lamaçal de preconceitos e marginalização.

domingo, 19 de janeiro de 2014

A Noite Em Que Abraçámos a Intempérie


Esta noite chove e troveja e a escuridão deixa-se intervalar com um derrame de luz amarelenta dos candeeiros, e há uma qualquer sensação de conforto quando se está em casa, apartado, seguro, enxuto, e lembro-me de estarmos exaustos, eu e ela nus, três da madrugada: tínhamos feito o amor. Levantei-me, puxei os estores, abri a janela, pensei em dobrar-me para o exterior, fumar um cigarro, a intempérie convenceu-me a não fazê-lo, resguardei-me, o céu rasgado em fendas luminárias. Ela acendeu a luz do quarto, surgiu-me uma hipótese, uma idiotice, e a caixa de estores a tamborilar, pedi-lhe para que confiasse, dissesse que sim, e ela anuiu. Vesti-a com exagero de agasalhos, impermeabilizei-a. Vesti-me com exagero de agasalhos, impermeabilizei-me. Fomos à rua, e toda a chuva nos fustigava, e todo o vento nos fustigava, e todo o tempo inclemente nos fustigava, e abrimos os braços
(um abraçamento)
e a trovoada que repele, malcriado, grosseirão, e dobrou esforços: mais chuva, mais vento, mais lampejos celestiais. E nós mais abertos, mais seguros, mais tudo, e corremos rua abaixo, rebeldes, indomesticáveis, e o vento mais agressor, alimentador de remoinhos
(remoinhos?)
alimentador de tornados, e no funil ventoso havia folhas caducas, e jornais caducos, e uma enciclopédia, e juro que não um autocarro, mas dois, e ainda um coelho, não daqueles moles e amorosos, um coelho antropomórfico
(não é o teu alterego?)
que vociferava e praguejava, e nós a darmos-lhe toda a razão, e o tornado a desajeitar-se na sua viagem, indiferente aos impropérios do coelho, e que interesse tem o animal, nenhum, desde que não lhe ofereçam oportunidade de governar um país, e o tornado a despedir-se, e nós a retribuir o adeus, e a atmosfera que não se esqueceu, a brindar-nos com granizo, e é certo que no meio dessa confusão toda veio-me à memória um parque infantil, daqueles que foram desaparecendo, daqueles com baloiços e afins, daqueles com estruturas a lembrar castelos medievais, com uma torre de vigia, obstáculos, pontes, um escorrega, e corremos para lá, para a torre, para aquela cabana improvisada, abrigados dos cubos de gelo que caíam a potes, e lá sentados, abraçados, a recuperar fôlego, e depois ela às gargalhadas, a achar que tudo aquilo fora uma parvoíce, e eu à procura do maço de tabaco, a constatar que talvez tenha caído com tanta correria, e a imaginar o tornado a fumar os cigarros todos, e eu meio triste e meio contente, e ela ainda a rir-se, e fiquei a olhá-la por imenso tempo, e depois de rir-se, ajeitou o cabelo, e depois retribuiu o olhar, já mais séria, mais calma, e toda a cabana a devolver a sensação de estarmos apartados, seguros, enxutos, e depois,
e depois,
beijei-a.

Esta noite chove e troveja e a escuridão deixa-se intervalar com um derrame de luz amarelenta dos candeeiros, e surge uma nova emoção, estranha, ambígua, que se deixa substituir por uma espécie de ansiedade, uma vontade de pegar no telemóvel e telefonar-lhe. É sobretudo uma ansiedade em desistir da saudade e de não me conformar com a beleza das memórias, mas o telemóvel deixa-se acomodar na bolso, e a madrugada já me contagia de sono, e neste preciso momento, já só me quero abandonar nos lençóis, apartado, seguro e enxuto. 

Imagem retirada daqui

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Venho à Varanda Com Um Cigarro na Boca

Venho à varanda. Há Sol que se reflecte no branco da cidade: turva a exactidão dos pormenores, uma espécie de sonho que paira na luz das coisas. Há uma paz que emana do silêncio, é estranho, o dia em pleno auge e toda uma cidade que levita num sono quieto. Venho à varanda com um cigarro na boca. Preciso de espaço, de silêncio, de fuga, vou à varanda com um cigarro na boca,
- vou à varanda
tal como
- vou fumar
mas não só
- vou fumar
mas sim
- preciso de silêncio
Venho à varanda, e uma cidade em suspenso sob o Sol, sem vivalma na rua. Não há brisa. As árvores quietas, os carros quietos, os pombos quietos. Vou à varanda e não há cidade: uma gigantesca fotografia. Vou fumar, em frente uma gigantesca fotografia, gestos controlados, a beata que pode incendiar a cidade.
Cigarro na boca, um pretexto. Não a suporto mais. Preciso de espaço. Preciso esquecê-la, afastá-la, desprezá-la.
Odeio-a.
Vou à varanda e é um todo de alívio. Vou à varanda e é um cigarro na boca e um desprezo nas vísceras. Vou à varanda contemplar a fotografia. Há Sol que alaga claridade nos blocos brancos que sobrepostos fazem uma cidade, e lembro-me de um Sol que esverdeava o verde da relva, e de um vento que inquietava os ramos dos pomares, e dos pardais que enchiam o ar de missangas musicais. Lembro-me de um Sol que cobria a silhueta da minha mãe, e esta dobrada sobre o cesto de piquenique, e os meus irmãos de rédea solta sobre montes, colinas e encostas, e o cão enlouquecido com as correrias e desvarios alheios, e uma bicicleta numa distância lenta, perdida no tempo, sem significado. Lembro-me das sandochas, queijo, fiambre, folha de alface, e da limonada, e das cerejas, e dos pêssegos, e a minha mãe enrolada sobre um romance, e eu e os meus irmãos a investigar um ouriço-cacheiro, e o cão a expandir território na teimosia da bexiga, e o cigarro a trazer-me à varanda, à fotografia, ao desprezo, e à
(estúpida)
namorada que me ocupa a paciência, que não desaparece, que não se cala, que não se enxerga, e juro que estou farto, estou cansado desta relação, deste compromisso, desta promessa, e só não lhe abro a porta porque ela tem
(dinheiro)
este amor descontrolado, esta paixão desmedida, e não é má pessoa, é
(estúpida e tem dinheiro)
uma infeliz, e a sério que tenho pena dela, mas quero silêncio e espaço e tenho esta varanda, este cigarro, esta fotografia, este Sol que me faz lembrar a infância, e o piquenique, e a minha mãe em paz, e o meu pai longínquo a descascar cortiça no intervalo da pobreza, e eu finalmente feliz, e os meus irmãos a explorarem a flora, a fauna e a natureza, e o cão a dar-se a conhecer às lebres, e lá bem ao fundo a bicicleta a surgir sem prenúncio, quase existente, quase miragem, e eu verdadeiramente feliz, porque éramos pobres, e a vida era um cinto que nos apertava o estômago, e o meu pai a dar-se aos sobreiros, e por fim uma folga na escassez, e tivemos sandochas, queijo, fiambre, folha de alface, e limonada, e cerejas, e pêssegos, e a
(estúpida)
namorada que nasceu a cagar dinheiro, jóias e banquetes, que diz que leu Marx, que percebe, que entende, mas que só fala e fala e fala, e eu todo cheio de desprezo, e eu que levo o cigarro à boca,
- vou à varanda
tal como
- vou fumar
mas não só
- vou fumar
mas sim
- preciso de silêncio
mas também
- foda-se cala-te odeio-te
e juro que me apetece apontar-lhe a porta, abrir-lhe a porta, escancarar-lhe a porta, mas não o faço porque ela é
(podre de rica)
boa pessoa, e gosta de mim, e faz tudo por mim, e eu tenho pena dela, e vou à varanda, gestos controlados, a beata pode incendiar a fotografia, aliás, a cidade, e o Sol, sempre carregado de memória, leva-me para o prado, o piquenique, a minha mãe, os meus irmãos, o cão, as aragens quentes, o restolhar dos pomares, o pescoço esticado da lebre que nos espia, a bicicleta que descobre as curvas da vereda, os pardais e os diamantes chilreados, e lembro-me de estar inclinado sobre um formigueiro, e as formigas estúpidas, e eu que as depreciava, achá-las inferiores, achar o trabalho colectivo uma idiotice, e a monarquia uma justiça histórica, e a formiga escrava que tudo oferece à rainha, e a namorada estúpida que tudo me oferece, e eu a desprezá-la como desprezava as formigas, e lembro-me de as esmagar com o polegar, e a minha mãe de olhos tristes, a dizer tudo sem dizer nada, e para quê palavras, só olhos tristes, e os meus irmãos a concordarem, e eu também triste, duas lágrimas gordas, arrependido, a corrigir, a lamentar cada uma das formigas, e a minha mãe a dar consolo, e os meus irmãos que me abraçaram, e nisto a bicicleta tombada ao nosso lado, o senhor António zangado, ou miserável, a tropeçar, pernas bambas, quase a correr, uma pressa estranha, e lembro-me que abriu a boca e de lá saíram palavras, e para quê palavras
- foda-se cala-te odeio-te
e seriam palavras zangadas, ou miseráveis, ou outra coisa qualquer, e o senhor António a explicar, o meu pai caído, pescoço partido, morto, e a minha mãe tombava de joelhos, e havia vazio no semblante, uma dor sem palavras, e os meus irmãos agarrados ao desespero, de lágrimas em tempestade, e eu nada, e eu não triste pelo meu pai, não triste pela minha mãe, não triste pelos meus irmãos, mas triste por mim, triste pelo piquenique que acabou, e juro que por mim ficávamos ainda, e tenho a sensação que havia uma sandocha por comer, e não percebo, que interesse tem o meu pai, e o Sol a lembrar-me que eu estava feliz, é tudo o que importa, só tínhamos de fingir que não havia morto, continuar o piquenique, e depois percebi que nada havia a fazer, e que nesse dia deixei de ser menino, e que me levantei, de cigarro na boca, de frente para o pomar, e já não havia pardais nem havia chilrear, não havia lebres, não havia brisa, nem ramagens que se abanassem, já só havia silêncio e uma natureza quieta, já não havia prado.
Deixei de ser menino, de cigarro na boca, e onde havia prado passei a contemplar uma gigantesca fotografia.

Imagem retirada daqui

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Reflexões Sobre a Amizade

[1]
«Havia algo no relacionamento dos dois, ternura, seriedade, dedicação, algo de fatal, e essa irradiação desarmava qualquer tendência sarcástica. Em todas as comunidades humanas, esse tipo de relação suscita o sentimento de uma certa inveja. Não há nada tão desejado pelo homem, como uma amizade desinteressada. Mas é um desejo sem esperança. No colégio, os rapazes refugiavam-se no orgulho da sua origem, ou nos estudos, nas farras precoces, nas bravuras físicas, ou nos amores prematuros, confusos e dolorosos. Nesse tumulto humano, a amizade de Konrád e Henrik cintilava como a luz mansa de uma cerimónia votiva medieval. Nada é tão raro entre jovens como uma afeição desinteressada que não pretende do outro nem ajuda nem sacrifício. A juventude está sempre à espera do sacrifício da parte daqueles a quem entrega a sua esperança. Os dois rapazes sentiam que viviam numa condição maravilhosa, sem nome, num certo estado de graça.»  Sándor Márai, As Velas Ardem Até ao Fim 
[2]

« (...) E foi assim, ficámos amigos de infância. É assim: instantâneo e absoluto como o amor. (...) No amor, o ciúme é normal, e até posso aceitar o sentimento de posse. Na amizade, isso não existe, os nossos amigos têm outros amigos, e nós aceitamos isso. Mas talvez não sejam sentimentos tão diferentes... Para mim, a amizade é completamente assexuada, não sou capaz de sexualizar uma amizade (...) »                                 António Lobo AntunesGrande Entrevista na revista Visão n.º 1085                                                                                                
«Deve ser difícil as mulheres entenderem isto mas, para os homens, fazer chichi lado a lado, ao ar livre, é sinal de amizade, a olharmos para baixo, cheios de duplos queixos.»
António Lobo Antunes, Crónica de Muito Amor (Do Quinto Livro de Crónicas)

  Do conto A Angústia da Solidão, citei Sándor Márai. Fiquei a conhecê-lo com a obra As Velas Ardem Até ao Fim. A obra que li dele marcou-me, elevou toda uma consideração que eu tinha pelo o autor. A relação entre os dois amigos, explorada pelo livro, ajudou-me a consolidar impressões pessoais sobre a amizade, e a desenvolver novos esforços para compreender as ligações que nos unem aos outros. 

A vida, às vezes, é feita de coincidências interessantes, daquelas que nos ajudam a suportar melhor as dificuldades do dia-a-dia. Depois de terminar As Velas Ardem Até ao Fim, naquele momento introspectivo onde quero alcançar o que ficou acabado, caiu-me na mesa a Grande Entrevista com António Lobo Antunes, com algumas reflexões sobre a amizade, em convergência com as considerações exploradas pelo escritor húngaro. Foi uma feliz coincidência.

[1] Imagem retirada daqui
[2] Imagem retirada daqui

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Rubrica de Contos: A Angústia da Solidão

Confesso a angústia da solidão. 

É Verão, a cidade escalda no braseiro do betão e do aço. Já passou a hora de almoço: decidi não voltar ao emprego. 
Decidi.
Desisti.
Demiti-me. Estou ansioso. Sufocado. Há uma impressão de pânico.
(É imaginário)
Quero dissolver-me. 
Estou num bar. Acompanho a minha inquietude com moscatel. As cervejas já foram. O vinho desapareceu. A mesa como túmulo de copos vazados, de garrafas vazadas, de alma vazada. Só o cinzeiro se encheu. E tudo o que sinto é
(É imaginário)
pena de mim próprio. De mim próprio? Todo um lamento que desagua em lástima e angústia. Há um saber andar sozinho. Uma aprendizagem. Um Curso Superior. Um manual de instruções. Aprender a conviver com a solidão. Não sei. Nunca me foi ensinado. Sou analfabeto da solidão. Sou
(imaginário)
uma patetice pegada. Vivo só, sinto-me só, vagueio-me só, e não consigo acostumar-me. Dá vontade em desapertar-me, remexer nos órgãos, arrancar uma erva, uma raiz, uma sombra. Desapertar-me e corrigir-me. 
É Verão. O bar evapora-se em penumbra, e dos copos há um remoinho de memórias,
(imaginárias)
uma agitação de nostalgias vagas e perdidas na cronologia da vida. É Verão e lembro-me de encher a mochila com balões de água. Combinei com o L.
(É imaginário)
à frente das escadinhas. Fazíamos parte daquela relação difusa que não distingue amigo de irmão. A nossa amizade era, parafraseando Sándor Márai, «tão séria e silenciosa, como todos os grandes sentimentos que duram uma vida inteira». A nossa amizade 
(Era imaginária)
era uma factualidade dogmática. 
De mochila cheia, fui ter ao local combinado. Sentei-me num degrau, testemunhava a rua. Esplanada com o senhor Macário vertido sobre um jornal. Caniche a passear uma Dona Rosa caquética. Uma pressa que empurrava o senhor Barbosa pela estrada fora. E o L. dava lugar à ausência. O Sol desmarcava-se e as sombras acompanhavam-no. Os balões de água refilavam. Desesperei-me.
(É imaginário)
A tarde findava-se. Os balões adiavam-se. O rabo descolou-se do degrau, a mochila ocupava lugar no ombro, os olhos procuravam na distância qualquer sinal. Os pés despegaram-se da calçada, 
(imaginária)
e de rua em rua, de beco em beco, de escadinha em escadinha, a ausência de L. desenvolvia-se em hecatombe. Todo um fluxo emocional considerava traição, abandono, renúncia, e o caniche dava lugar a ratazana, e a Dona Rosa em bruxa, e o senhor Barbosa em ladrão, e o senhor Macário encorpava-se em demónio, e as árvores agitavam-se como najas hipnotizadas, e os prédios dobravam-se em susto, e os meus pés já não pés
(É imaginário)
os meus pés em tijolos, e se corresse, vertigens, e tudo se anuviava num negrume frio e
(imaginário)
irreal, e uma neblina de medos obscurecia-me os sentidos, e finalmente um movimento, um copo que se enche de moscatel, uma sede que se desmorona em torpor, novo túmulo sobre a mesa, e o Verão empurra-me para um jardim, e a Rute franzia o olho, e a Gorda deitada na piscina
(É imaginário)   
e a Andreia deitada na piscina, e Andreia e Gorda a mesma pessoa, e a Rute de cigarro na mão, a Rute tão nova, a Rute tão emancipada, tão rebelde e tão inconsequente, a Rute que anos mais tarde, a Rute de joelhos a desapertar-me as calças, a Rute que me desapertava 
Despertava
(É imaginário)
Desapertava e despertava o que restava de mim, e a Rute que se perdeu na rua
(É imaginário)
não, não era imaginário, a Rute
Uma puta
perdeu-se nesta merda toda e já não vive, de braço estirado, de cabeça aninhada sobre o vómito, e se palavras sobraram: overdose?
(É imaginário)
Lembro-me da Rute de cigarro e a Gorda na piscina, e peço perdão, a Gorda é a Andreia, a bebida já me sobe à cabeça, e pergunto pelo L. e a Rute encolhe os ombros, diz que não conhece nenhum L., e eu insisto, claro que conhece, há dois dias esteve connosco, e a Gorda estúpida espantada comigo, e a Rute teima que não, e a Gorda sempre espantada, e a Rute desaparece com o fumo, e os nervos tomavam conta de mim, e a Rute a encolher os ombros, e onde está o L., e a Gorda a querer saber, e eu confuso, a Gorda a acusar-me, e eu com vontade de lhe mandar um pontapé nas trombas, a Gorda viu-me a falar sozinho, e eu quase atirar-me à estúpida, e a Rute
- É imaginário
E a mesa já sem espaço para os túmulos, e desde então o L. só aparece nos remoinhos do moscatel, e quando sóbrio, há toda uma angústia da solidão.

Rubrica de Contos: a partir de uma imagem sugerida por Bruno, escrevi este conto.
Imagem retirada daqui

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Havia Dois Eusébios

Por vezes, só entendo a beleza das coisas no comprimento do tempo. 

Eusébio [1]
Lembro-me das traseiras dos prédios Benguela. Chão de pedra polida, muros de betão, balizas a graffiti branco, skates, bando de marginais a chupar o primeiro cigarro, dois palermas de cara chupada de garrote no braço,
(uma seringa perdida no chão?)
bola Mikasa no centro, atacadores que apertam as Sanjo, nervos exasperados, um relógio digital a sugar minutos,
- o filho da puta nunca mais chega
a escola já tinha acabado, número ímpar invalida duelo de campeões, havia uma equipa incompleta, e os minutos a sugar o relógio digital, e o pessoal de punhos cerrados, dentes cerrados, olhos cerrados, e os marginais a tossir o primeiro cigarro, e os de cara chupada a torcer a boca, e as miúdas agrupadas em falanges de curiosidade, e o P. enervado,
- mas o filho da puta nunca mais chega
a sugerir substituto no bando de marginais, e o D. a promover linchamento para o dia seguinte, e um casal de velhotes dobrados sobre sacos de plástico, e a B. a perguntar por mim,
- mas o filho da puta nunca mais chega
e as miúdas agrupadas em falanges de curiosidade a encolherem os ombros, e o bando de marginais a chupar o segundo cigarro, e os dois palermas de olhar cego sobre as traseiras dos prédios Benguela, e um rapazolas a dar autógrafos numa parede, e a B. a apertar o vestido como quem aperta a volúpia, e o P. a dar mais cinco minutos de tolerância,
- filho da puta
quando o bando de marginais expele uma nuvem, de passo lento mas seguro, o número par, o criminoso, o atrasado, o
- filho da puta
aparece para dar início ao duelo de campeões, e o D. a pedir satisfações, e o P. a achar que «arraiar calhaus» não é desculpa para o atraso, e a B. a piscar o olho, e eu a piscar o olho, e o casal de velhotes 
- com licença
e os dois palermas a abanarem-se como palmeiras.

Bola Mikasa no centro, duas equipas já decididas. Faltava o essencial. Cada um de nós personificava o nome do craque preferido,
- Rui Costa, Preud'homme, Yordanov, Costinha, Maradona, Figo, Baggio, Futre, dois Eusébios.

O meu Benfiquismo era autodidacta e de aprendizagem obsessiva. Houve quem me visse com potencial para transportar a mística do clube. Alimentaram-me com cassetes e com imagens a preto e branco. Soava-me a estranho. Faltava Parmalat. Aprendi a falar Eusébio. O King. O Pantera Negra. Havia Pelé para o Brasil. Havia Eusébio para Portugal. Aprendi o chuto. Pé esquerdo ao lado da bola. Pé direito esticado. Costas dobradas. Cabeça a apontar para o golo. Bola ia sempre em meia altura. Não dava «três pontos para o País de Gales». Dava golo. Em duelo de campeões, eu tinha de ser Eusébio.

JM era sportinguista. Era lagarto. Sofreu horríveis túneis da morte. Carolos, belinhas, calduços. Não renunciava o verde e branco. Chorava o seu sporting como nunca vi chorarem pelo Benfica. JM era doente. JM era doentio, amava o sporting, odiava o Benfica. Amor que se cuspia pela alma. Ódio que se regurgitava pelas vísceras. Falava-se em Benfica e o gajo virava as costas, ofendia-se, descompunha-se e remediava-se para longe. Nunca dissera São Domingos de Benfica. Atalhava o nome em São Domingos. JM tinha um ídolo. Queria personificá-lo sempre que pudesse. Não sei onde aprendeu ele a falar Eusébio. Queria sê-lo. Fazia por sê-lo. 

Bola Mikasa no centro, duas equipas já decididas. Faltava o essencial. Cada um de nós personificava o nome do craque preferido. Havia dois Eusébios. Só podia haver um. Discutíamos. O meu Benfiquismo legitimava-me o Eusébio. JM trazia um saco. Uma camisa vermelha dobrada. Número 10 e Eusébio cosidos nas costas. Emblema do Sport Lisboa e Benfica cosido na frente. JM vestiu a camisa, e a malta estupefacta, e o bando de marginais estupefacto, e as miúdas agrupadas estupefactas, e os dois palermas sempre estupefactos, e o casal de idosos com sacos furados e duas latas de salsicha a rolar no chão de pedra polida, e o puto-estrela a distribuir autógrafos estupefactos, e os prédios Benguela dobravam-se para enganar a miopia, e constatavam a estupefacção geral, e eu soltava impropérios,
- filho da puta 
e o JM dobrava os ombros, e o JM já não era JM, era Eusébio. No duelo de campeões tivemos Eusébio. Também dobrei os ombros, e eu já não era eu, era Isaías. E nesse dia, tivemos um Eusébio que deu um grande bacalhau a um Isaías.

E só hoje, num comprimento de vinte anos, é que entendi a beleza do Eusébio.

[1]  Imagem Original

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A Verdade e a Mentira na Aprendizagem: a Reflexão confessa-a

Os nossos olhos não nos permitem olhar para nós próprios. Precisamos de espelhos que nos reflictam: é ao olhar o outro que conseguimos ir ganhando consciência de nós próprios. Através da observação dos outros é que aprendemos e podemos analisar-nos em comparação. Além disso a cópia é dos exercícios de aprendizagem mais eficientes, e todos nós somos produtos da socialização com o nosso meio, onde somos todos, de alguma forma, formados pela fôrma social com que nos relacionamos (e formamos).

Se é olhando o outro e compreendendo-o que vamos ganhando consciência de nós próprios, não exclui que seja também, em simultâneo, a olhar para dentro de nós próprios que nos compreendamos (a nós e aos outros). O mundo é dialéctico, sabendo isso não nos surpreende que o nosso "Eu" e os "Outros" se correlacionem e se complementem.

Por esta interdependência entre o desenvolvimento do indivíduo com os outros, não deve pertencer ao acaso a curiosidade das crianças perante o outro, seja um adulto ou não, copiando e interrogando sobre o que vêem, nem deve pertencer ao acaso a coscuvilhice do meu vizinho. O animal em causa parece ter a curiosidade como uma característica inata, e, talvez, não sei, todos os outros mamíferos também.


O que quero agora aqui evidenciar é que este reflexo entre uma coisa e outra está sempre presente e em tudo, inclusivamente, é sempre preciso uma referência para o próprio objecto se poder definir. Ao evidenciá-lo, espero não vir a corromper as ideias de Marx relativas à mercadoria nas minhas próximas linhas.

Ler O Capital é como assistir a uma dança entre o que é e o que parece ser, entre um conceito e o seu par oposto numa relação de amor e ódio, inclusão e exclusão, em que um só existe em complemento com o outro. O Capital não sendo um livro de Filosofia, é um livro com filosofia (tal como A Peste de Camus). Exemplo duma dessas danças é a análise do Valor através de um par de mercadoria. Marx explica como a mercadoria A (tecido de linho, no seu exemplo) tem o seu valor expresso somente contra uma outra mercadoria B (no caso, um casaco). É por estas mercadorias se poderem trocar imediatamente, uma contra a outra, que a primeira toma a forma-valor da segunda, e, por exemplo, 20 metros de tecido de linho equivale a 1 casaco. O fenómeno ocorre também no sentido inverso.

E Marx ao explicar isto em O Capital deixa a seguinte nota:
"Só através da relação com o homem Paulo como seu igual é que o homem Pedro se relaciona consigo próprio como homem. Mas, assim, dos pés à cabeça, na sua corporalidade pauliana, também vale para ele como forma fenoménica do Genus Homem."


Acontece que estas relações reflexivas e de cópia trazem também consigo os significados e os sentidos que absorvemos culturalmente através dos nossos antepassados, inclusivamente os engodos que a aparência nos prega. No caso do valor de uma mercadoria o que está na sua raiz é a quantidade de trabalho humano (objectivado nela), e não, como é costume pensar-se, o dinheiro e o preço.
"Com estas determinações de reflexão, em geral, passa-se uma coisa curiosa. Um homem, por exemplo, só é rei porque outros homens se comportam em relação a ele como súbditos. Inversamente, eles crêem ser súbditos por ele ser rei." - Karl Marx (in O Capital)



Está visto que não é fácil nos libertarmos de um legado de preconceitos e outros enganos. Pergunto-me o que para além do conformismo mais haverá num indivíduo, isto é, em todos nós, que nos leva a evitar uma mudança de pensamento? Há tempos escrevi culpando a Má-Fé, mas outras mais razões podem estar por detrás dessa resistência intelectual à mudança, por exemplo, a relação entre formações de significado, sentido e identidade.

O passado pesa!
"Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam directamente, legadas e transmitidas pelo passado." - Karl Marx (Dezoito Brumário)