terça-feira, 13 de maio de 2014

História dos Homens Comuns em Fluxo

Quando o verão emerge violento, ficamos cegos e desvairados enquanto apalpamos o calcário do chão, como quando calcorreamos as casas da noite, a jeito para que sejamos confundidos por um james dean prostibulário
(james dean prostibulário é um alter ego seu?)
e se dermos ao olfacto a sua oportunidade, exalamos a testa húmida, a cigarro mole, a vontade de mijar às portas, e do nevoeiro com sabor a nicotina e a cerveja morta manifestava-se o chilro saxofonista dos pássaros, cegos e desvairados, acelerados pela comoção, um sapato cadenciado, meter os pés nas algibeiras
(está sempre a meter os pés pelas mãos)
- dá-lhe charlie dá-lhe
vapores tertulianos que emanam da nossa cabeça, enquanto o sol enrijece as crostas cutâneas de quem vagueia nos labirintos de calçada, magote de gentes frouxa com solas lânguidas, arrasto de movimento em aguarela borrada, e à nossa frente um copo de amêndoa amarga que bamboleia ao ritmo do tamborilar dos nossos dedos no tampo da mesa
- dá-lhe charlie dá-lhe
e não cabemos de êxtase quando o ruído orgásmico subleva a rigidez melódica, e com a boca
- pam pam pam pam
e com as palmas
- dá-lhe charlie dá-lhe
e uma voz que foge da penumbra
- porra charlie és o maior
São dias em que tudo se pega ao corpo, e com a cabeça mergulhamos as ideias em blocos de gelo
(acha que a cabeça lhe ferve e depois sente que precisa de arrefecer quando nem começou a aquecer)
enlouquecem-nos a lubricidade das carnes expostas, despeitoradas aquosas que revelam arcos e dobras e sonhos, e uma gota de suor que desliza na vertigem do peito feminino, e quando queremos dissuadir os olhos o nosso corpo um não corpo mas sim um autómato, não responde à razão da mesma forma que os pés, os dedos, a cabeça baqueteiam a cadência musical soprada pelo tumulto dissonante 
- dá-lhe charlie dá-lhe
autómato broto da égide solar de olhos concentrados na incandescência das peles bronzeadas, sabor a lascívia salgada na confusão dos lençóis, garrafas de vinho na balbúrdia do quarto
- pam pam pam pam
(desvaloriza o sexo porque não acredita na troca qualitativa entre seres humanos)
e corpos que se misturam em combustão como o verão emerge violento, e a camisa colada ao corpo porque derretemo-nos neste abuso de sobrevivência
- pam pam pam pam
mas quando acordamos, ao nosso lado costas despidas que não conhecemos, e parece que nos vai cair a cabeça, um turbilhão de recordações entrecortadas que não se cosem num sentido cronológico de eventos, e nos recantos absurdos do crânio
- pam pam pam pam
(essas suas dores de cabeça são consequência das horas que não dorme)
surge-nos uma vaga ideia
- dá-lhe charlie dá-lhe
até voltarmos ao labirinto de calcário, sob um sol pungente e insensível, rumo ao contra-senso das responsabilidades diurnos, mas sem nunca evitar um james dean prostibulário que renasce das cálidas noites, autómato alimentado a pássaros saxofonistas e a seios húmidos, um devasso de costas despidas e de copos gingões, um exemplar da história dos homens comuns em fluxo.

[1] sonorização musical como fonte para escrita aqui
Imagem retirada daqui

Sem comentários: