«Havia algo no relacionamento dos dois, ternura, seriedade, dedicação, algo de fatal, e essa irradiação desarmava qualquer tendência sarcástica. Em todas as comunidades humanas, esse tipo de relação suscita o sentimento de uma certa inveja. Não há nada tão desejado pelo homem, como uma amizade desinteressada. Mas é um desejo sem esperança. No colégio, os rapazes refugiavam-se no orgulho da sua origem, ou nos estudos, nas farras precoces, nas bravuras físicas, ou nos amores prematuros, confusos e dolorosos. Nesse tumulto humano, a amizade de Konrád e Henrik cintilava como a luz mansa de uma cerimónia votiva medieval. Nada é tão raro entre jovens como uma afeição desinteressada que não pretende do outro nem ajuda nem sacrifício. A juventude está sempre à espera do sacrifício da parte daqueles a quem entrega a sua esperança. Os dois rapazes sentiam que viviam numa condição maravilhosa, sem nome, num certo estado de graça.» Sándor Márai, As Velas Ardem Até ao Fim
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« (...) E foi assim, ficámos amigos de infância. É assim: instantâneo e absoluto como o amor. (...) No amor, o ciúme é normal, e até posso aceitar o sentimento de posse. Na amizade, isso não existe, os nossos amigos têm outros amigos, e nós aceitamos isso. Mas talvez não sejam sentimentos tão diferentes... Para mim, a amizade é completamente assexuada, não sou capaz de sexualizar uma amizade (...) » António Lobo Antunes, Grande Entrevista na revista Visão n.º 1085
«Deve ser difícil as mulheres entenderem isto mas, para os homens, fazer chichi lado a lado, ao ar livre, é sinal de amizade, a olharmos para baixo, cheios de duplos queixos.»António Lobo Antunes, Crónica de Muito Amor (Do Quinto Livro de Crónicas)
Do conto A Angústia da Solidão, citei Sándor Márai. Fiquei a conhecê-lo com a obra As Velas Ardem Até ao Fim. A obra que li dele marcou-me, elevou toda uma consideração que eu tinha pelo o autor. A relação entre os dois amigos, explorada pelo livro, ajudou-me a consolidar impressões pessoais sobre a amizade, e a desenvolver novos esforços para compreender as ligações que nos unem aos outros.
A vida, às vezes, é feita de coincidências interessantes, daquelas que nos ajudam a suportar melhor as dificuldades do dia-a-dia. Depois de terminar As Velas Ardem Até ao Fim, naquele momento introspectivo onde quero alcançar o que ficou acabado, caiu-me na mesa a Grande Entrevista com António Lobo Antunes, com algumas reflexões sobre a amizade, em convergência com as considerações exploradas pelo escritor húngaro. Foi uma feliz coincidência.
[2] Imagem retirada daqui
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