sábado, 31 de maio de 2014

Breve Comentário sobre As Vinhas da Ira

“Inquietavam-se as terras do Oeste sob os efeitos da metamorfose incipiente.
Os Estados ocidentais sentiam-se inquietos como os cavalos antes da trovoada. Os grandes proprietários inquietavam-se, pressentindo a metamorfose, sem atinarem, no entanto, com a sua natureza. Os grandes proprietários atacavam o que lhes ficava mais próximo: o governo de poder crescente, a unidade trabalhista cada vez mais firme; atacavam os novos impostos e os novos planos, ignorando que todas essas coisas são efeitos e não causas. As causas escondiam-se bem no fundo e eram simples – as causas eram a fome, a barriga vazia, multiplicada milhões de vezes, fome na alma, fome de um pouco de prazer e de um pouco de tranquilidade, multiplicada milhões de vezes; músculos e cérebros que ansiavam por crescer, trabalhar, criar, multiplicados milhões de vezes. A última função clara e definida do homem – músculos que querem trabalhar, cérebros que querem criar algo além da mera necessidade – isto é o homem. Construir um muro, construir uma casa, um dique, e pôr nesse muro, nessa casa, nesse dique algo do próprio homem, é retirar para o homem algo desse muro, dessa casa, desse dique. Obter músculos fortes à força de movê-los, obter linhas e formas elegantes pela concepção. Porque o homem, ao contrário de qualquer coisa orgânica ou inorgânica do universo, cresce para além do seu trabalho, galga os degraus das suas próprias ideias, emerge acima das próprias realizações. É isto o que se pode dizer a respeito do homem.
Quando as teorias mudam e caem por terra, quando as escolas filosóficas, quando os caminhos estreitos e obscuros das concepções nacionais, religiosas, económicas, se alargam e se desintegram, o homem arrasta-se para diante, sempre para frente, muitas vezes cheio de dores, muitas vezes pelo caminho errado. Tendo dado um passo à frente, pode voltar atrás, mas apenas meio passo, nunca o passo todo que já deu. Isto se pode dizer do homem, dizer-se e saber-se." (As Vinhas da Ira, John Steinbeck, página 154-155)
Todo um livro que, a curto e grosso modo, expõe uma análise concreta e genuína a um período determinado da vida do povo norte-americano. Contudo, e é de realçar este facto, toda esta análise é transversal ao período que abrange a luta de classes. Surpreendeu-me? Sem dúvida! O filme é magnífico, a escrita é inqualificável. Faço uma citação de um fragmento do livro, mas podia (ou devia) fazê-lo na integra. Todo o livro tem um exame muito profundo às contradições da sociedade da época. Steinbeck escreveu este livro, não como um relatório, nem como uma dissertação, mas como um romance. Inqualificável. 

Imagem retirada daqui

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