O que é o Benfiquismo senão um conjunto de narrativas que montam memórias e histórias, num conjunto de pessoas que partilham uma idiossincrasia que foge à nacionalidade e que nasce do acaso de uma herança ou de um contágio vizinho ou de um miúdo que se senta no lado esquerdo de um banco traseiro de um táxi.
O que é esta coisa que nos identifica a um clube desportivo senão um acondicionamento acidental que nos traça uma linha invisível a que chamamos destino, e que a razão nos oferece o argumento do abandono e a emoção labora no sentido contrário.
O que é o Benfiquismo senão uma linguagem que não se traduz em palavras, gramática, semântica, mas antes uma linguagem que se constrói por olhares, abraços, festejos e lágrimas, uma linguagem tão própria que constitui, aos poucos, um âmago da identidade pessoal e colectiva, e que nos marca o discurso e o carácter e as arritmias cardíacas.
O que é o Benfiquismo senão um funeral de um amigo, em cujo caixão se deixou repousar a bandeira do partido e a bandeira do Benfica, até os vermelhos se confundirem no que parecia ser um único tecido, dado que a viúva afirmava que o comunista e o benfiquista eram a mesma pessoa e o neto levava um e pluribus unum enrolado no pescoço.
O que é o Benfiquismo senão um colega de internamento na hematologia resgatar na véspera do seu falecimento, num lapso de senilidade, a curiosidade de saber se o Benfica ganhou o jogo, e na falta de atrevimento terei dito que sim, enquanto sangrava por dentro pela mentira, enquanto o colega terá provavelmente esboçado o seu último sorriso.
O que é o Benfiquismo senão um intervalo de um fratricídio absurdo e criminoso como o da guerra colonial, quando se apontavam os holofotes para a mata durante o relato de mais um jogo do Benfica, dado que durante 90 minutos fazia impressão matar alguém que partilhava connosco este amor pelo clube da águia.
O que é o Benfiquismo senão trepar os Alto dos Moinhos para testemunhar o maremoto vermelho invadir as artérias de São Domingos de Benfica, num dia de jogo, dado que ver aquela mancha enorme é como saber que chegámos a casa, é como as saudades da especialidade materna que ainda penetra no nosso olfacto e paladar, é como revisitar amigos de outras vivências nossas e bebermos imperiais até nos esquecermos da idade, e com mais imperiais até acreditamos na nossa bonita e desafinada voz, e dado que a única canção que a ebriedade nos permite passa por assumirmos que somos benfiquistas e papoilas saltitantes.
O que é ser Benfiquista senão ter histórias que nos relacionam com o Benfica. Não obedecemos a matrizes glorificadas que dão mote a emblemas e a escudos. Não nos interessamos por datas de fundação ou centenários. Não contamos troféus e vitórias e campeonatos e taças. Somos Benfiquistas por acaso. E é no acaso que o Benfica faz história connosco.
Ser Benfiquista é narrar o romance da nossa vida com o Benfica, e é participarmos nesta corrente histórica que nos enlaça nesta confusão emocional que chamamos Benfiquismo.
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