terça-feira, 5 de agosto de 2014

Bloco de Notas #4

Marguerite Duras
Ponto prévio: só leio prefácios após concluir a leitura. Faço do prefácio um posfácio. No interlúdio que vai desde o ponto final da obra literária até ao início do prefácio, faço uma rápida e breve consideração do que acabei de ler. Com O Amante surgiu-me à mente o termo voyeurismo. Não só aquele voyeurismo que é parte da experiência do leitor - especialmente quando lê autobiografias -, mas também aquele voyeurismo de quem escreve e visita a sua vida passada. Ao terminar o livro, e depois de folheá-lo à procura do prefácio-posfácio, foi inevitável encontrar a palavra voyeurismo que exprime sinteticamente aquele manuscrito de Duras. Foi inevitável porque é uma parte integrante do livro. Tão simples quanto isso.

Outra impressão que me surgiu na mente: o livro é uma brutalidade. É uma autobiografia, mas envolta numa áurea tão seca, tão desprovida de acessórios, tão directa e honesta, que deixou de ser um relato de memórias para se transformar numa reflexão introspectiva sobre este sótão que guardamos na cabeça, e que apelidamos de memória. 

Uma pequena reflexão: qualquer um escreve autobiografias. Mas este livro não foi escrito por qualquer um. Marguerite Duras. A escritora rabisca e o leitor consome, e as imagens transcendem-se e materializam-se num invisível celofone. Estamos abandonados, mas libertos, e experimentamos aquela honestidade que é intensa. Só nos resta observar. Não há nada a retirar. 

Conclusão: reconheço uma ideia que surgiu no livro. O amor é violento. É violentamente prazeroso e violentamente triste. Acho que não é descabido afirmar que no amor há uma parte de nós que é violada. E no mundo como o de hoje, e que amanhã será cada vez mais, dar aquele amor genuíno, tão desligado das condições de retrospectividade, é sujeitarmo-nos à violação.

Imagem retirada daqui

2 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Não tendo lido o livro julgo estar prejudicado qualquer comentário. Seria abusivo comentar um livro sem o ter lido. Mas à conclusão posso deixar um comentário, pois apenas incide na ideia que teve: amar é sujeitarmo-nos à violação. Concordo: quem ama é viola_do. E nem queira saber o prazer que dão tais acordes...
:))

Bruno disse...

Não li retrospectividade mas reciprocidade. No comentário acima, não li acordes, mas açoites. Vou pôr os óculos.