A Peste de Camus [1] |
Acabei A Peste. Levei mais tempo que o suposto. Mas afinal o que era suposto? Levei mais tempo que o normal. Ando exausto. Soube hoje que ando anémico. Tenho dias em que os olhos pulsam. São olhos que querem fugir das concavidades. Soube que é da tensão alta. Abro um livro, leio, perco a concentração, as letras fogem-me, fecho um livro.
Li A Peste em avanços e recuos.
Quando leio, trago comigo um pequeno bloco e uma caneta. Anotam-se páginas e parágrafos, título do livro. Guardo em papelinhos os momentos de extravasamento. A leitura extravasa-me. Francesinhas, imperiais e Benfica. Extravasam-me. Miúdas em biquíni derramam-me. Morenas, loiras, ruivas. Derramam-me.
Escrevi num papelinho:
Earl SweatshirtA Peste - pág 220: fim do primeiro parágrafo
Earl Sweatshirt [2] é intruso. Pertence ao papelinho, mas não devia. Página duzentos e vinte:
«Tudo o que o homem podia ganhar no jogo da peste e da vida era o conhecimento e a memória»
Há uns anos, numa reunião da JCP, vociferavam disparates. Disputas constantes. Tremenda desilusão. Abandonei o Vitória. Não sabia como dar corpo à luta. Ainda hoje não sei como fazê-lo. Dantes preocupava-me, hoje não: um dia ignifico-me no caminho da luta objectiva. É uma certeza. Farei a diferença? Não interessa. O mais importante é a memória e o conhecimento. Percebi isto recentemente. É por isso que não vivo preocupado. Debelarei doenças e pestes. Acabarei o meu curso superior. Suportarei o peso da minha emancipação como indivíduo. Derramar-me-ei com morenas, loiras e ruivas. Farei de mim parte da enorme engrenagem que tece a luta e a história dos homens.
Tudo por etapas.
Uma a uma.
Amanhã haverá outra: acabar com a peste.
Tudo por etapas.
Uma a uma.
Amanhã haverá outra: acabar com a peste.
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