sábado, 30 de novembro de 2013

Obrigado, Meu Deus!

Há tanta coisa errada no mundo, tanta coisa que não bate certo, coisas tão mas tão parvas, que só para ter conhecido um pouco disso já valeu a pena ter nascido. O pior é cair no vício de perguntar Porquê?! - embora seja sempre uma questão pertinente. Não admira, pois, que a maioria dos símios da nossa espécie se virem para Deus. A metafísica reconforta-nos quando as respostas da razão são insuficientes.

Esta conversa não vem ao acaso.

Se os olhos ainda não repararam, talvez os ouvidos vejam primeiro: aqui.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Mas que faço eu aqui?!

Mas que faço eu aqui?! - é uma questão que surge com alguma regularidade, pelo menos a mim. Não que me ofereça vulgarmente ao acaso e as suas consequências, mas mesmo quando estou em situações em que fui levado pela razão, um sentimento de inutilidade e ausência de sentido ressurge.

Ontem fui levado pela razão a uma assembleia de freguesia. Fazia todo o sentido ali estar, ainda mais tendo participado numa das listas eleitorais. Mas nada me preparou para o que assisti.

A sala de reuniões não tinha espaço para o público assistir. Fiquei do lado de fora sentado com o restante público. Pareceu-me claro que o público não é bem-vindo e que um pouco de tudo se faz para evitar que ele insista em aparecer nestas reuniões. Mas o pior está por referir: a assembleia foi convocada e dirigida com um tremendo amadorismo por parte da presidente da mesa. Fiquei com sérias dúvidas que ela fosse ao menos literada.

A falta de brio e competência da presidente da mesa resultou em mais de três horas de reunião só para tratar do assessório, meras questões (que deveriam ser) formais. As leis da República foram ali muito mal-tratadas. Em boa verdade, o que ali se viveu é indescritível. Mas o pior ainda não foi contado.

O maior mal que senti ali, ao assistir àquela assembleia, foi que o seu sentido se esvaziou para quase todos aqueles que ali estavam. Questionava-me: "Mas que raio faço eu aqui?!". Pensava: "Mas isto existe?! Sairá alguma coisa de útil daqui?!". Constatava: "Isto é surreal!! Absurdo!!".

Um vazio assombrou-me. Só consegui estar presente durante três horas a esta assembleia da união de freguesias. Foi quando finalmente a ordem de trabalhos começou a ser tratada. Incrível o tempo perdido por causa de evitáveis problemas formais provocados por uma inútil!

A assembleia foi uma fonte de reflexão sobre o Absurdo. O conceito de alienação ganhou em mim uma dimensão nova, kafkiana e muito real.

A quem serve tal presidente da mesa ao ser assim? Penso que ela é quem ali tem um sentido de existir, e quase mais ninguém. Ela existe para nos sugar as almas, alimenta-se do nosso esforço para conseguir um sentido à nossa existência. Ao pé de tudo isto, Kafka, mesmo que tivesse escrito uma versão de Drácula, continuaria a ser um menino.

Tenho quase a certeza de que a luta dos eleitos naquela sala engloba a necessidade de continuarem a acreditar que a sua presença ali faz sentido.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Episódios do Absurdo #2


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L'écrivain de Pierre Jaquet-Droz


O vídeo refere-se ao autómato criado por Pierre Jaquet-Droz, conhecido como L'écrivain.
Interessei-me por este assunto porque a mecânica, tem em mim, um efeito de fascínio, de encantamento que remoinha em cantos obscuros da minha consciência. Para mim, é extraordinária esta capacidade humana de analisar os fenómenos da realidade, de as teorizar e de as materializar em algo manipulável. 
Os autómatos de Jaquet-Droz nasceram num contexto muito próprio: na época, aceitava-se como válido o pensamento mecanicista. Acreditava-se que todos os sistemas podiam ser reduzidos à teoria da Mecânica. Hoje sabe-se que o real não obedece integralmente às formulações mecanicistas, contudo, a ideia, mesmo que estivesse errada, permitiu desenvolver um conjunto de princípios que continuam válidos e que servem de base a teorias actualmente empregues. 
É possível estabelecer uma ligação entre a forma mais simples de autómato até ao supercomputador da actualidade, e nessa ligação que se estabelece, teremos um breve resumo do pensamento do ser humano e da relação que foi evoluindo com o meio que lhe rodeia.
O que me inspira é o potencial ainda por descobrir desta espécie a que nós pertencemos, e tenho esperança que todo esta capacidade esteja, um dia, ao serviço de uma transformação positiva do real.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Budapeste em Amarelo

Budapeste em Amarelo [1]
«Quando se abriu um buraco nas nuvens, me pareceu que sobrevoávamos Budapeste, cortada por um rio. O Danúbio, pensei, era o Danúbio mas não era azul, era amarelo, a cidade toda era amarela, os telhados, o asfalto, os parques, engraçado isso, uma cidade amarela, eu pensava que Budapeste fosse cinzenta, mas Budapeste era amarela». (Budapeste de Chico Buarque)

Ainda não acabei este livro. É o segundo que leio dele. O meu primeiro foi o primeiro romance dele, O Estorvo. Gosto de poeta que escreve romance. A palavra escreve-se, lê-se e sente-se de modo diferente. Romancista  escreve capítulos. Poeta escreve palavras. 

Episódios do Absurdo #1



The Act of Killing
«War crimes are defined by the winners. I'm a winner. So I can make my own definition»

Imdb
Wiki

domingo, 17 de novembro de 2013

Já passaram dez dias

 Do artista John Spooner
Há alguns anos, tropecei acidentalmente em Camus com A Queda. Vinha de uma colecção de livros RTP, e a escolha fora aleatória. Recordo-me que ia a sair de casa em arrufos de pressa, quando em pânico me lembrei que algo estava em falta: não tinha livro para viajar comigo. Voltei esbaforido a casa, fui à estante mais próxima da biblioteca do meu tio, e da colecção RTP, meti ao calhas a mão em Camus. Conhecia o francês pelo nome e pela relação com Sartre. Da sua obra literária, conhecia os livros mais badalados. 
Nos dois dias que levei a apreciar A Queda, algo brotou em mim. Esse principiar de qualquer coisa nasceu torto, e ainda hoje não se endireitou, porém não é caso para me preocupar. O importante é que germinamos coisas em nós: é sinal que há vida que flui connosco. 
Mais recentemente li O Mito de Sísifo, e nada brotou em mim. A operação foi contrária. O que já tinha brotado em mim, torceu-se e contorceu-se, perdendo as formas originárias, metamorfoseando-se em formas diferentes. Mas mais uma vez, não é caso para me preocupar. O essencial é que haja transformação: é sinal que há evolução.
O Mito de Sísifo, confesso, apanhou-me desprevenido. Passeava os olhos para um lado, Camus golpeava-me pelo outro. Levei mais tempo a lê-lo. Aos avanços e aos recuos. Uma sova das antigas. Hoje os miúdos não têm pêlo na venta. Hoje os miúdos não tem pêlo nenhum: agora rapam-se. O Mito de Sísifo é pêlo na venta e nas unhas: não se rapa. A sova marcou-me a vida. É possível que se não estivesse distraído, a sova fosse mínima, mas a suposição é especulativa e serve de muito pouco. 
Facto: O Mito de Sísifo marcou-me a vida. 
Por extensão: Camus marcou-me a vida.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Inauguração

Isto é daquelas obras que são inauguradas antes dos acabamentos estarem concluídos. Marca-se um dia, há comes e bebes, a malta diz umas coisas sobre o futuro. Desta vez há quem venha do futuro para inaugurar um passado, mas nem esses sabem ao certo de que se trata este blog. Ninguém sabe se está satisfeito. A obra só mais além no tempo é que será concluída a ponto de ser utilizada. Daqui a umas semanas talvez se abra finalmente as portas e os utentes passear-se-ão nestas instalações.

Hoje é dia de aniversário tanto para o Albert como para Outubro. Se não acreditam, podem confirmar que Outubro faz anos em Novembro aqui. Logo, a inauguração é hoje, mesmo que esta sede ainda só tenha telhado. O tecto tem belos frescos com bandeiras vermelhas e ratos em queda, quanto às paredes, nada, elas foram encomendadas há semanas mas na farmácia dizem que não há paredes em stock. Não é grave. O telhado aguenta-se bem no ar.

O critério editorial Da Peste à Centelha cobrirá todos os assuntos deste o Absurdo bubónico à iskra da Luz, que é como quem diz, tanto o Estrangeiro como Jesus serão falados, afinal as rezas dos golos como as conquistas do espírito são tudo vertentes humanas. Escreveremos para melhor compreender, mesmo sendo como transportar uma pedra infinitas vezes por uma montanha acima. Em poucas palavras: tudo e o nada serão temas, o Universo por arrasto, e se fará sentido falarmos disso é porque ainda não percebemos quase nada dessas coisas.