Do artista John Spooner |
Há alguns anos, tropecei acidentalmente em Camus com A Queda. Vinha de uma colecção de livros RTP, e a escolha fora aleatória. Recordo-me que ia a sair de casa em arrufos de pressa, quando em pânico me lembrei que algo estava em falta: não tinha livro para viajar comigo. Voltei esbaforido a casa, fui à estante mais próxima da biblioteca do meu tio, e da colecção RTP, meti ao calhas a mão em Camus. Conhecia o francês pelo nome e pela relação com Sartre. Da sua obra literária, conhecia os livros mais badalados.
Nos dois dias que levei a apreciar A Queda, algo brotou em mim. Esse principiar de qualquer coisa nasceu torto, e ainda hoje não se endireitou, porém não é caso para me preocupar. O importante é que germinamos coisas em nós: é sinal que há vida que flui connosco.
Mais recentemente li O Mito de Sísifo, e nada brotou em mim. A operação foi contrária. O que já tinha brotado em mim, torceu-se e contorceu-se, perdendo as formas originárias, metamorfoseando-se em formas diferentes. Mas mais uma vez, não é caso para me preocupar. O essencial é que haja transformação: é sinal que há evolução.
O Mito de Sísifo, confesso, apanhou-me desprevenido. Passeava os olhos para um lado, Camus golpeava-me pelo outro. Levei mais tempo a lê-lo. Aos avanços e aos recuos. Uma sova das antigas. Hoje os miúdos não têm pêlo na venta. Hoje os miúdos não tem pêlo nenhum: agora rapam-se. O Mito de Sísifo é pêlo na venta e nas unhas: não se rapa. A sova marcou-me a vida. É possível que se não estivesse distraído, a sova fosse mínima, mas a suposição é especulativa e serve de muito pouco.
Facto: O Mito de Sísifo marcou-me a vida.
Por extensão: Camus marcou-me a vida.
1 comentário:
Sísifo, proletário dos deuses...
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