Falta silêncio. Esse bem precioso é constantemente evitado com o encher de chouriços sonoros. A música é quase omnipresente. Entra-se no carro, liga-se o rádio; entra-se numa loja, mais música; sobe-se num elevador, mais notas musicais; vamos mandar uma cagada à WC e também nos bufam com música! Música de merda, normalmente. Mas também a boa música vira poluição na overdose diária a que estamos submetidos.
O maestro Vitorino de Almeida escreveu um pequeno e fantástico livro chamado O que é Música? em que reflecte sobre este assunto, mas noutro sentido ao que acima escrevi. Ele exemplificava que a música ou outro qualquer ruído era admitido conforme o contexto. A cacofonia de barulhos e músicas chocando umas com as outras numa feira ou parque de diversões é humanamente admitida, enquanto um simples tossir num concerto de música erudita pode irritar a plateia.
Que nos leva a evitar o silêncio nos momentos em que o contexto o exigiria? Será a voz interior que de dentro de nós submerge? Há quem ligue uma TV só para companhia, embora ignore a programação. Pelos vistos, mais vale estar mal acompanhado!
Há meses que deixei de ouvir música no carro. Prefiro ouvir o motor ou os estranhos efeitos que o som faz vindos da janela com o movimento. O interesse por este aparente silêncio intensificou-se com os constantes pedidos de minha sobrinha para ligar o rádio na RFM ou na Comercial. É verdadeira poluição sonora. Um nojo de música vomitada numa curta e incessante playlist que nos faz definhar o cérebro e a paciência. Conteúdo e forma musical de plástico. Plástico, plástico e mais plástico, com excepções musicais que se afogam na merda da lista de canções que essas rádio debitam. Poucas coisas me tornam tão óbvio o valor do silêncio, neste caso, da ausência de música.
A rádio Comercial, a RFM, e quase todas as outras, são um atentado à própria música como arte. É musica velha nova. É sempre música velha nova. Não acrescentam nada. As concessões para uso das frequências radiofónicas em que emitem deviam ser canceladas. Estas rádios não dão um serviço positivo à comunidade. Puro desperdício de ondas, quando há um enorme e desafiante mundo de música experimental e música antiga para explorar. Há imenso para se discutir e dar a conhecer sobre música e sobre a sua interligação com a sociedade, mas o que nos dão são receitas de plástico para os ouvidos.
Há dias li um artigo sobre o sonoplasta Vasco Pimentel. Foi inspirador. Fantástica a perspectiva e atitude dele perante o som. Abriu-me os ouvidos e a mente para tudo isto que vos falo. Estes últimos tempos têm sido reveladores relativamente à qualidade e riqueza daquilo que há para ouvir em nosso redor.
Como músico, os pequenos e grandes sons, tanto os amestrados como os selvagens, têm ganho novo corpo e cores para mim. Nada como o silêncio para intensificar o valor do som e música.
Como músico, os pequenos e grandes sons, tanto os amestrados como os selvagens, têm ganho novo corpo e cores para mim. Nada como o silêncio para intensificar o valor do som e música.
1 comentário:
Enquanto lia
parecia
que as palavras se alinhavam
numa desassossegada melodia
(tive o silêncio preciso
para ler isto)
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