Fui sozinho. Subi ao sótão da Smup e sentei-me com antecedência nas cadeiras da frente, fiquei a observar os músicos. Sem nada ter dito ou feito, apenas sentado à espera do público,
Joe McPhee tinha claramente uma áurea que só as grandes figuras míticas do Jazz e Blues conseguem ter.
Céus!, como pode estar um ser raro destes num sótão na Parede?! Procurei mandar uma mensagem ao André - que não pôde aparecer por causa do canalizador - a dizer que Joe McPhee estava ali sentado a existir, como se pudesse haver seres mitológicos a existir no concreto, mas perdi o contacto do rapaz. Há momentos que se têm de alguma forma partilhar com alguém. Um pôr-do-sol não é tão belo quando se o vê sozinho, dizia-me uma amiga.
Foram chamar o público aos andares abaixo. Fez-se a apresentação da banda como sempre ali se faz.
Vai começar o concerto! Simplesmente, quase sem aviso, a banda explodiu em som. Violento, como nunca em outro estilo de música ouvi. Violento, contudo, não é a palavra adequada. Como gostaria eu de saber qual a palavra que descrevesse com justiça
aquilo! Soava a Liberdade. Desliguei-me pairando naquela polifonia multilingue e frenética poliritmia emocional que destruía a cada verso sónico as convenções gramaticais da música de plástico, projectado num voo saxofónico, irrepetível, transformador. Afinal, há coisas que só se deve experienciar sozinho.
Sabia, antemão, que muito provavelmente iria assistir a um dos melhores concertos de Jazz que já vi, mas jamais que iria ser tão bom. Fiquei vários minutos a observar a banda a arrumar os seus instrumentos e finalmente desci ao andar abaixo para voltar a mim. Abandonara o sótão dos seres mitológicos. Sentei-me a tentar ler o meu livro enquanto voltava ao mundo concreto. Li (ou tentei ler) sossegado entre a confusão do bar até ter condições de voltar a conduzir e voltar para casa. Definitivamente, há uma relação dialéctica entre o abstracto e o concreto, e o Jazz é um dos intermediários.
Por muito contraditório que pareça, há pôres-do-sol que se devem assistir sozinho.